Aikido - Era Só Mais um Treino no Sábado

Aikido - Era Só Mais um Treino no Sábado

O despertador tocou às 6h da manhã. O som irritante rompeu o silêncio do apartamento de Marco. Ele se virou na cama, encarou o teto e pensou por um instante: "Eu realmente preciso ir?" Era sábado, o único dia da semana em que poderia dormir até mais tarde. Mas havia prometido a si mesmo que treinaria.

Meia hora depois, saía de casa com o quimono dobrado sob o braço, enfrentando sua vontade de desistir. As ruas ainda estavam vazias, um silêncio quase sagrado pairava no caminho. Enquanto caminhava até o dojô, Marco se perguntava se aquele treino valeria a pena. Afinal, não era um exame ou um seminário. Era apenas mais uma prática entre tantas.

Ele ainda não sabia, mas estava prestes a viver um momento que nunca mais se repetiria. 

O Dojô e o Momento Presente

O tatame já estava limpo e iluminado por aguns raios de sol e o Dojô cheirava a madeira polida e um leve perfume de incenso queimado no canto da sala. Poucos alunos haviam vindo treinar naquela manhã quente, e o sensei, os aguardava todos sentado em seiza.

Marco se curvou respeitosamente e se juntou aos outros. O treinamento começou. Movimentos repetidos, técnicas refinadas. O aikidô sempre fora para ele um desafio físico, mas, naquela manhã, algo parecia diferente. Havia um silêncio profundo no dojô, como se o tempo estivesse suspenso.

Seu parceiro de treino era um homem que ele nunca tinha visto antes. Devia ter mais de sessenta anos, cabelos grisalhos, mas sua postura era impecável, seus movimentos eram cheios de energia e vitalidade e seu olhar, guardava uma paz que Marco não conseguia descrever. Eles começaram os exercícios juntos, e a cada movimento, Marco sentia algo diferente – como se aquele homem não apenas executasse as técnicas, mas estivesse, de fato, vivendo cada instante delas.

Foi então que o desconhecido olhou para ele e sorriu levemente.

Ichi-go, ichi-e, jovem.

Marco franziu a testa. O homem continuou:

— Isso significa "um encontro, uma oportunidade". Cada instante é único e nunca se repetirá da mesma forma. Este treino… nunca mais acontecerá exatamente assim.

As palavras ecoaram na mente de Marco, mas ele não teve tempo de respondê-las. O sensei chamou todos para um exercício final.

O Encontro Inesperado

O sensei anunciou um randori – um exercício no qual um aluno enfrentava múltiplos oponentes, testando sua capacidade de adaptação. Marco nunca tinha sido escolhido para liderar um randori, mas, naquela manhã, o sensei apontou para ele.

— Marco, venha ao centro.

Seu coração acelerou. Ele respirou fundo e se posicionou. Três praticantes se moveram ao seu redor, prontos para atacá-lo de diferentes direções. Marco tentou se concentrar, lembrar das técnicas, mas algo estava errado. Ele estava hesitante, desconfortável.

O primeiro ataque veio. Ele desviou, aplicou uma projeção, mas sentiu que estava apenas reagindo, sem verdadeira conexão com o momento. O segundo ataque foi mais rápido – ele se desequilibrou e quase caiu. O terceiro veio com força e, antes que percebesse, foi lançado contra o tatame.

O dojô ficou em silêncio. Ele sentiu o calor subir ao rosto. O sensei se aproximou e perguntou:

— Você quer tentar mais uma vez?

Antes que Marco pudesse dizer algo, o velho praticante que treinara com ele falou:

— Você estava em qualquer lugar, menos aqui.

Marco olhou para ele, ofegante.

— Você pensava na técnica seguinte, no que poderia acontecer. Mas não estava vivendo o agora.

O sensei assentiu e, com um olhar gentil, disse:

— Tente novamente.

Marco se levantou, fechou os olhos por um instante e se lembrou das palavras do velho: Ichi-go, ichi-e.

Ele respirou fundo. Quando abriu os olhos, estava ali. Apenas ali.

O primeiro ataque veio. Ele não pensou – apenas sentiu. Girou o corpo naturalmente, guiando o oponente ao chão. O segundo ataque veio, e ele o absorveu com fluidez, redirecionando a força. O terceiro tentou surpreendê-lo, mas, dessa vez, ele já não estava lutando contra nada. Ele era o próprio fluxo do momento.

Quando o exercício terminou, Marco não sabia quanto tempo tinha passado. O sensei sorriu. O velho praticante apenas assentiu com a cabeça.

A Beleza do Inesperado

Ao final do treino, Marco procurou o senhor que lhe ensinara tanto em tão pouco tempo. Mas ele já não estava lá. Perguntou ao sensei quem era aquele homem.

O sensei franziu a testa.

— Que homem?

— O senhor de cabelos grisalhos, que treinou comigo no começo.

O sensei ficou em silêncio por um momento e então sorriu.

— Marco… não havia ninguém assim aqui hoje.

Marco olhou ao redor, sentiu um arrepio na nuca. Ele sabia que tinha treinado com aquele homem. Ele o havia visto. Ou… talvez tivesse apenas recebido um ensinamento que estava esperando ser compreendido há muito tempo.

Enquanto saía do dojô, percebendo as lindas cores da manhã, ele teve certeza que o treino daquele sábado nunca mais voltaria a acontecer. Assim como cada momento da vida.

"Ichi-go, ichi-e."

E, naquele instante, Marco finalmente entendeu.

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